O COMETA DE HALLEY 
                  02-04-1986 
                    
                  Ontem  à noite saímos da chácara Irecê à estrada BR-040, Águas Lindas, Goiás, para  observar o cometa de Halley.  
                    O Valci e a Graça, meus ex-alunos do Mestrado em Biblioteconomia da  Universidade de Brasília, estão hospedados em nossa chácara em Cocalzinho e  ficamos entusiasmados com a aparição do cometa.   Era apenas um ponto luminoso na direção do nascente. Havia nuvens e o  resplandor das luzes de Brazlândia (DF) no céu, por detrás do morro, confundia  com o brilho das estrelas.  
                    Seria algo perto das 8 e meia da noite e o cometa brilhava de forma ativa, com  cores mutantes, onde o prata, o azul e lampejos de vermelho se sucediam em sua  diminuta cauda.  
                    Não soubéssemos de que se tratava de um cometa e não o distinguiríamos das  centenas de estrelas do firmamento. 
                   
                  Á  primeira vista bem poderia ser confundido com um avião de carreira com suas  luzes intermitentes. 
                    Apesar de sua escassa visibilidade a olho nu, ele não deixou de ser  emocionante. 
                     
                    Dizem que no início do século ele apareceu maior, várias vezes, com um rastro  luminoso, chegando a fazer eclipse com a própria lua. Hoje era apenas um ponto  luminoso, sem o apoio de uma luneta. Não veio cercado dos presságios fatídicos  de suas aparições anteriores, que impressionaram e apavoraram povos tementes de  Deus e ignorantes dos mistérios da astronomia.  
                    Sem dúvida que as imagens do cometa Halley popularizados pela/na TV são mais  imponentes, mas esse corpo celeste brilhante no céu, inusitado, quebrou a nossa  rotina, lançou-nos na atmosfera fantástica das cosmogonias e aguçou a nossa  fantasia.  
   
                    Ás 10.30 hs. da noite, com a rotação da Terra, o cometa já era visto no poente,  à direita das Três Marias, contra um céu negro e insondável, com um facho  diminuto de luz incandescente, em direção ao desconhecido, em sua rota  inexorável pelas vastidões siderais. 
                    Diante de seu brilho fortuito, entre estrelas mortas e inertes, ou perpassando  o espaço por estrelas adiante e suicidas, o cometa é um símbolo de vida, de  movimento, de imensidão e de distâncias irrecorríveis, de espaços inescrutáveis  e de projeções abissais, dando-nos a sensação relativa de nossa posição  solitária e microscópica no universo galático, a sensação de nosso fragilidade  e a pequenez arrogante de nossa frágil e tênue existência.  
                    Ilhados na imensidão do planalto goiano, isolados na vastidão do cerrado, na  quietude dessa geografia silenciosa desse ermo, com um cenário astral tão  gigantesco, sentimo-nos engrandecidos, comungados com essas constelações  ignotas, com esse espelho luminoso de milhões de pontos celestiais no imenso  cenário sobre nossas cabeças. 
                    
                   Como pontos de referência, como bússolas  siderais, como um tabuleiro de decifrações significantes, o firmamento dá-nos a  noção maior de nossa existência, de nossa posição no tempo e no espaço. 
Não fosse o Cometa de Halley cruzando os céus do Planalto Central,  esta data seria como qualquer outra, esse  instante como qualquer outro. Ao contrário, estávamos presenciando uma  ocorrência quase única em nossa existência. Daqui a 70 anos, quando ele  retornar, já não estaremos vivos, assim como não éramos nascidos quando ele  passou pela Terra há 77 anos atrás. Centenas de vezes terá passado e outras  vezes passará, marcando a diferença entre o nosso tempo tão efêmero, apenas um  sopro de vida, e o tempo de sua força perpassando, incandescente, os grandes  espaços vazios da quase-eternidade.  
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